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Mémorias de um Ancestral Sagrado



Vale a pena relembrar esse artigo publicado há alguns anos atrás.... Foi o primeiro artigo que escrevi. Ele foi publicado no antigo Jornal Ecológico do Estado de Minas e depois na Revista Ecologia Integral.


Como citar esse artigo:

MUNHOZ, Deborah. Memórias de um ancestral sagrado. Revista Ecologia Integral, Ano 3, n.12, jan/fev 2003, p. 30



Há um grande abismo entre a maneira com que os povos indígenas se relacionam com o planeta e o modo com que a nossa cultura interage com o ambiente em que vive. Para eles, os índios são a Terra, enquanto para nós, apenas estamos sobre a Terra. Essas diferentes formas de autopercepção em relação ao lugar onde vivem também se refletem na maneira com que ambos os povos se relacionam com a água.

Embora seja responsável pela maior parte da composição de nosso corpo, espelhando a composição do planeta, nossa civilização vem mantendo uma estranha relação de distância com a água ao longo dos anos. Nós nos relacionamos com ela como se fosse uma fonte inesgotável, da qual usufruímos como os únicos a quem ela deve servir. Quanto mais civilizados, mais educados para Ter e não para Ser e maior a ilusão de possuí-la. Gradativamente, fomos esquecendo nosso papel ecológico e, consequentemente, fomos corrompendo a função ecológica da água, transformando-a em esgotos.

Para os índios, a água é uma ancestral sagrado. Das águas foram tecidos os corpos dos sentimentos. Assim, se os seres humanos podem se emocionar diante da vida, é graças ao espírito sagrado das águas, que é mãe e avó. É considerada a senhora da abundância e do amor por muitos povos nativos, seja chuva, orvalho, lagoa, mar, lágrima ou cachoeira: é a fonte que tudo vivifica. Nas aldeias, ocupa lugar especial diante da porta da frente das casas. Sua beleza é apreciada e venerada.


Mas onde está a água em nossas cidades? Poderíamos dizer que ocupa um lugar semelhante os dos nossos sentidos e sentimentos: escondida e contida pela dureza e artificialidade dos canos, concreto e asfalto. Contaminada pelos valores artificiais, urbanos e egocêntricos. Assim como são raras as vezes em que experienciamos nossos sentimentos na sua plenitude, tampouco experienciamos a água na sua beleza. Precisamos parar de apontar os outros como culpados pela degradação das águas. Ela está contaminada por nossos valores, nossos hábitos, vaidades, atitudes, cultura. Espelha o nosso ambiente interno.

Nos 500 anos de Brasil, é preciso recuperar nossa memória nativa ancestral e aprender com a água, que nos ensina a tradição do fluir, da abundância, da clareza, da transparência, do encontro, do servir, da liberdade. Como nos lembram os índios, assim como nossos ancestrais, é preciso deixar às futuras gerações um caminho de infinitas possibilidades às quais chamamos de futuro, ou se preferirmos, culturas sustentáveis.


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