As embalagens se sofisticaram muito com o passar do tempo. Dos chifres e conchas usados inicialmente até as sofisticadas embalagens que vemos nos supermercados há toda uma história de evolução da ciência, do marketing, da psicologia. Cada dia que passa, as prateleiras estão sendo invadidas por produtos em embalagens complexas de grande apelo visual, cuja mistura de materiais dificulta e/ou impede a reciclagem. Os produtos colocados na prateleira são colocados para agradar a nós, consumidores. Se simplesmente nos deixamos conduzir pela beleza aparente das embalagens, sem ter uma postura do “por quê”, “para quê”, “quanto custa”, “qual o benefício geral que o produto me proporciona” e “de onde vem?, para onde vai a embalagem do que estou comprando?”, fica difícil para as empresas mudarem suas escolhas em relação aos sistemas de produção e implementar mudanças em suas embalagens. As que adotam medidas de proteção ambiental muitas vezes enfrentam a concorrência de empresas que têm pouca ou nenhuma preocupação socioambiental. Além de uma boa administração, as empresas dependem de nós para manterem sua saúde financeira. Desta forma, nós consumidores precisamos assumir nossa parcela de responsabilidade ambiental e nosso poder de mudar aquilo que dizemos que não concordamos. Precisamos ser pró-ativos: se compramos sem levarmos em conta a questão socioambiental, favorecemos empresas que também não têm essa preocupação.
A sociedade atual está disposta a abrir mão da praticidade das embalagens e dos descartáveis pela preservação do planeta?
Nas minhas aulas de Ecodesign e Produção Mais Limpa, sempre destaco de que não há necessidade de voltarmos para a idade das cavernas. As embalagens são necessárias. A forma com que elas são feitas é que deverá mudar à medida em que formos curando nossa miopia tecnológica e cultural. Estamos passando por um período de transição de mentalidades. A natureza tem suas próprias embalagens com design atrativo, estética, funcionalidade e biodegradabilidade. Nós devemos incorporar princípios ecológicos à tecnologia nesse século, para continuarmos a existir. É necessário abrir mão de alguma praticidade? As vezes sim, por exemplo, nos auto-educando a levar uma sacola para as compras do supermercado para reduzir o uso o consumo das sacolas descartáveis. Se estamos dispostos? Essa resposta para mim é individual. Cada pessoa deve saber de suas próprias limitações e cobrar a mudança das empresas na mesma proporcionalidade de que cobra mudanças em seu próprio comportamento. Empresa são organizações humanas, espelham o comportamento da sociedade. Não tem mágica no processo.
Essa é uma questão complexa... A natureza tem embalagens, tem resíduos mas não gera lixo e todas as suas embalagens são biodegradáveis, servem de matéria- prima para outros seres vivos. Nós humanos, com a nossa tecnologia, capaz de manipular a matéria através do conhecimento da Química e Física, criamos o que chamamos de lixo. Boa parte deste “lixo” não é biodegradável e, portanto, não entra novamente nos ciclos biogeoquímicos, que é por onde circulam os átomos na natureza. Aprender a trabalhar com a matéria como a natureza faz é um processo de evolução da consciência humana e é ai que entra o Ecodesign: aplicar os princípios ecológicos nas tecnologias humanas e, mais especificamente, na confecção de embalagens sustentáveis. É um desafio de toda a indústria mundial. Já vemos isso começar a acontecer com a criação dos plásticos derivados de mandiocas, por exemplo.
As pessoas precisam ter consciência de que o mundo ao seu redor espelha o que ela tem dentro de si. Há autores que discutem o lixo na dimensão da nossa dificuldade em lidar com a morte. Produtos que não são biodegradáveis não morrem, são “eternos”. Nosso corpo não é eterno, é matéria: “Viestes do pó e ao pó retornarás”. Essa frase bíblica é muito sábia. Também um químico chamado Lavoisier foi muito sábio ao dizer: “Na natureza nada se perde, nada se cria, tudo se transforma”. A natureza é movimento, é o Tao, é o caminho. Nós temos dificuldade em termos uma visão de vida dinâmica. Nossa sociedade não foi construída dentro de um paradigma biocêntrico (centrado na vida). Aprendemos que todo o planeta deveria servir a uma única espécie. Agora estamos colhendo os frutos desta escolha.
Todos pertencemos a uma só raça: a raça humana, que está em evolução. O lixo, o material não reciclável são símbolos. A sujeira física está ligada à poluição mental, psíquica, emocional. Se arrumarmos nosso primeiro “oikos”, nossa primeira casa, arrumaremos o mundo. Isso é a ecologia pessoal influenciando a ecologia ambiental, a meu ver. Precisamos de atitude. Temos visto muitos consumidores exigirem mudanças das empresa e do governo sem uma mudança de atitude para atos rotineiros de consumo. Seria muito bom se os ambientalistas ou educadores ambientais que fumam estabelecessem e divulgassem suas próprias metas de redução de consumo de cigarro, por exemplo. Também seria muito bom se todas as pessoas donas de automóveis preocupadas com a preservação ambiental colocassem um catalisador novo sempre que o que vem em seu carro terminar a vida útil. Eu estabeleci uma meta pessoal: reduzi o meu consumo de carne a uma vez por semana. Uma contribuição para a redução da minha parcela do aquecimento global. Acima de tudo, estou cuidando de mim. Isso é parte do egoísmo saudável. E quem está disposto a assumir a própria parcela de responsabilidade? Mudar organizações complexas requer mudar pessoas que estão dentro delas e que são iguais a mim e a você. Também não tem mágica.
Sabemos também que muitas pessoas estão interessadas em fazer as coisas certas, mas não têm informação adequada ou apoio de prefeituras e órgãos públicos para a destinação correta dos resíduos. Como resolver esta questão?
Na minha opinião, não há mais tempo para esperar! De um lado, as pessoas precisam de parar de esperar apoio de prefeituras e órgãos públicos. As pessoas precisam assumir o próprio poder. Quem quer informação, hoje, se for atrás, consegue. Há bibliotecas, salas verdes, centros de educação ambiental públicos e privados, livros, jornais, vídeos, murais nas escolas, revistas, internet. E, acima de tudo, há pessoas interessadas em se juntar a outras pessoas para trocar experiências, trabalhar em redes, inclusive de educação ambiental, associações, clubes, movimentos organizados.
De outro lado, as pessoas precisam aprender a fazer valer seus direitos de cidadãos e cidadãs mediante o poder público. Então precisam aprender sobre leis, direitos e deveres. As pessoas precisam aprender a votar, e a fazer política, deixando de lado a politicagem. O consumo em si é um ato sobretudo político. Com a minha compra eu mantenho vivo todo um processo produtivo, econômico quer seja ele social e ambientalmente responsável ou não. Então assumir responsabilidade passa por se assumir como um ser político.
O objetivo maior da publicação é contribuir para a formação de consumidores mais críticos e conscientes em relação as suas próprias escolhas; que tenham atitudes de compra que privilegiem a proteção ambiental. Isso tem a ver com um processo de formação na qual as escolas têm um papel fundamental. Existe uma preocupação grande dos idealizadores do projeto de que a publicação chegue efetivamente às mãos de alunos e professores das escolas estaduais. Além disso, a publicação tem a preocupação de contextualizar as embalagens através da história humana, dando visibilidade ao ciclo de vida dos materiais.
*A entrevistada foi responsável pela pesquisa e elaboração do texto da publicação “A evolução da embalagem: informações para uma nova geração de consumidores conscientes”. A publicação foi um projeto do SINPAPEL. Os interessados em adquirir a publicação devem entrar em contato com o Sinpapel, através do telefone (31) 3282-4755 ou pelo email sinpapel@fiemg.com.br